Um quilombo de estéticas e conhecimento

Um quilombo de estéticas e conhecimento

Evento esboçado no FAN (cuja realização ainda é incerta) promove encontro de artistas, intelectuais e pesquisadores


  Um evento que funciona como um quilombo. Ou como um espaço vocacionado a gerar diálogos conflituosos e problematizações sobre o que vem a ser uma pesquisa sobre a arte e as estéticas negras na contemporaneidade. Nas bases desse conceito, a Polifônica Negra faz sua segunda edição, desta quarta-feira (3) ao domingo (7). A programação tem entrada gratuita e será realizada em diversos espaços da cidade, como o Tambor Mineiro, o Teatro Espanca! e o Espaço Lira.
Estruturado na perspectiva de quilombo da historiadora Beatriz Nascimento, que propõe uma revisão da história do Brasil a partir dos quilombos, a Polifônica Negra ganha outro corpo e outras dimensões depois de seus primeiros rascunhos realizados em 2013 dentro da programação do Festival de Arte Negra (FAN), evento que hoje se encontra em situação instável quanto a sua viabilização pela prefeitura de Belo Horizonte, assim como outros projetos e ações de fomento que sofrem com o corte de verbas destinadas para a cultura do município.



“São esses espaços que podem reconfigurar o mapa artístico de Belo Horizonte. Agora, mais do que nunca, é impossível que a cidade e o meio artístico ignorem que estamos produzindo arte. Acho relevante apontar que conseguimos, com muitas dificuldades, manter espaços como a Segunda Preta, projeto que traz, toda segunda-feira, trabalhos que refletem questões raciais. Ele representa, simbolicamente, o que é esse desejo dos artistas negros de se reunir e ter espaço para trazer suas propostas artísticas”, observa o performer, dramaturgo e pesquisador Anderson Feliciano, idealizador da Polifônica Negra.
“Quando penso a Polifônica como um quilombo, intento uma nova forma de pensar as artes. Esse quilombo vem com a proposta de tentar construir um espaço onde, dentro dele, instaura-se um sistema que não seja colonizador. É um espaço onde as formas de relação com o outro, o pensamento sobre a arte e o que sejam essas estéticas negras possam ser pensados e refletidos com uma perspectiva diferente da que predomina na cena”, completa.
Na perspectiva do olhar que se ambiciona, a Polifônica, como quilombo, é também um espaço para a construção de um conhecimento próprio e singular. “Nós, artistas negros e investigadores, temos dificuldade de encontrar um referente que não seja canônico, que fale do nosso lugar. Normalmente, são intelectuais que refletem sobre outros contextos. A Polifônica seria, então, o espaço para artistas investigadores apresentarem e falarem de seus experimentos cênicos. Nos interessa fazer com que possamos construir conhecimentos a partir da ideia de descolonização do saber. Somos nós produzindo, é nossa própria construção sobre nossos procedimentos estéticos”, pontua Feliciano.
Abandonando a perspectiva de uma definição do que seja a arte negra, a tensão, o erro e o equívoco tornam-se, então, bem-vindos na problematização de uma poética múltipla. Dessa forma, é relevante para a construção curatorial da Polifônica, realizada por Feliciano e Aline Vila Real, membro do grupo Espanca!, uma programação que expanda a mostra de trabalhos artísticos e traga, para a reflexão, a presença de artistas intelectuais que têm o papel de provocar o debate a partir de um pensamento sobre a poética e a estética negras na contemporaneidade.
“Minha leitura é que faz sentido afirmar as estéticas do teatro negro quando percebemos que há uma preferência, que a ‘branquidade’ seja a norma do espaço da arte. Nesse sentido, acredito que frente a uma situação que é de predominância branca, a representatividade da população negra não aparece no espaço da arte, ela é uma sub-representação. A arte hoje, pautada pela ‘branquidade’, não nos mostra nossos territórios, nossa imagem, nossa estética na forma como enxergamos”, afirma Renato Nogueira, filósofo e professor da UFRRJ que participa da Polifônica trazendo o viés da filosofia brasileira Afroperspectividade, que busca formular conceitos recorrendo às tradições indígena, africana e afro-brasileira.

Fonte: http://www.otempo.com.br/divers%C3%A3o/magazine/um-quilombo-de-est%C3%A9ticas-e-conhecimento-1.1468369

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